sábado, 17 de novembro de 2007

Estados Unidos, Europa e Brasil

É muito comum, e muito forte na cultura brasileira, se falar do caráter de um povo.

Desde os fins do século XIX, a sociologia brasileira tenta dar conta de descrever o que é o brasileiro.

Alguns povos se colocam mais esta questão do que outros.

Uma espécie de autoconsciência coletiva.

Podemos dizer dos franceses, cujo patrimônio histórico comum é tão vasto, que acabam
pensando que a nação é uma verdadeira comunidade e um destino.

Aos americanos, cabe sempre uma interrogação.

E por que?

Primeiramente, porque ali estão, devido a um sonho, ainda que herdado (do avô, do bisavô).
O sonho de uma vida em outro lugar, onde é possível, talvez, comer, praticar a religião, etc, sem ser perseguido.

É um sonho de um futuro.

O europeu não tem esta questão.

O sujeito é francês, simplesmente porque nasceu na França, não havendo neste processo, uma escolha, um desejo.

Eis aí, uma grande diferença subjetiva, já que nas Américas, o sujeito é muito mais interrogado por seu futuro do que pelo seu passado.

Podemos pensar aí, o significado da palavra LOOSER, que soa tão forte na maneira de pensar do americano. Quer dizer que, ele está ali por causa de um sonho, dele, ou herdado, tanto faz. É preciso dar conta desta “dívida” com o futuro.

O europeu vive muito mais em função de uma “dívida” que ele tem com o passado. Ele está mais preocupado com o que o passado exige dele.

Que dívidas são estas do europeu?

A França e mais geralmente a Europa são o resultado de um longo passado que viu a miséria, as guerras e as revoluções sociais suceder-se durante os séculos.Durante este período rico uma herança intelectual, arquitetural e patrimonial é constituído.Inconscientemente, no colectivo europeu, uma obrigação de preservação dos acervos tomou lentamente um lugar preponderante.O europeu é consciente que o degrau forçado para a globalização é irreversível.Sabe que o seu futuro, a sua vida, ou mesmo a sua sobrevivência passa pela união das nações européias que como todos sabem faz a força.Mas é convencido que esta união deve fazer-se economica mas também, socialmente.Qualquer ideia de evolução dos valores por um nivelamento dos acervos pela parte inferior lhe é insuportável.O europeu sente-se "investido" de um dever de memória no que diz respeito à sua história.A cultura é a herança fundamental do seu pensamento.Qualquer coisa que poderia retirar-lhe a sua "especificidade" é vivida por ele como um drama.Não quer ser um simples número sobre o livro de conta da humanidade...

E o que seria um caráter brasileiro?

Sou brasileiro porque gosto do samba e do futebol?

O perigo deste tipo de definição está na implicação de que: “Somos brasileiros, malandros, todos à venda, e gostamos do famoso jeitinho”.

Ou então, “Não gostamos do conflito”, o que oblitera nossa história subjetiva e coletiva por meio de uma visão muito fácil de nós mesmos.

A frase: “O Brasil não é para principiantes”, supõe que a nossa malandragem nos torna especiais e só interpretáveis por especialistas. Pelo contrário, o Brasil é para amadores e principiantes, porque pagar e corromper é muito fácil.

O difícil é ser moral, construir uma coletividade em que haja leis, institucionalidade.
Ser imoral é que é para principiantes.

A malandragem é uma conduta moral para crianças de 9 anos.

O difícil é crescer. Governar pagando o cara para votar comigo é que é amador.

O Brasil, por não ter conquistado a independência na ponta da faca, manteve uma espécie de complexo de inferioridade permanente em relação às metrópoles culturais.

Nossas heranças culturais são menosprezadas e deixadas de lado perante o que o restante do mundo nos oferece, agora muito mais com o processo de globalização.

Não há um consenso (salvo raras exceções) sobre o que representa a história do nosso passado, não apenas no que concerne às artes, como também do movimento político, social e econômico até os dias de hoje.

Vivemos um momento crítico em relação aos valores morais.

Fica difícil dizer de uma identidade, quando nossos objetivos se direcionam aos Estados Unidos, ou à Europa, em busca de ajuda ou de modelos que bem nos atendam num conceito de nossa própria história.

Sem uma herança a ser guardada, resta-nos a construção de um sonho.Um sonho que comece a desenhar um carater específico de brasileiro.

Qual seria ele?

Violência e Psicanálise

Temos acompanhado estarrecidos a violência cada vez maior à nossa volta.

Requintes de crueldade bestiais, culminando quase sempre com a morte das vítimas indefesas.

Essa mesma banalização da morte, onde queimar corpos, dizimar famílias, o uso de armas de fogo sofisticadas, a disseminação da droga, choca-nos profundamente.

Mais recentemente, a criança de seis anos, que morreu arrastada pelo carro roubado por marginais, presa ao cinto de segurança.

Não há palavras que cubram ou possam explicar tais ações. Diante desse "real" dos fatos, resta-nos apenas um absurdo inexplicável, que está totalmente fora da lógica que aprendemos como social.

Escrever sobre o assunto aqui, nesse gigantesco laço social que é a Internet, é um desejo de compartilhar com os amigos a busca de um sentido qualquer para o que ora vivenciamos.

Vamos passo a passo:

-Desde criancinhas, já temos presentes pulsões sexuais circulando por nossos corpos. A busca de satisfação dessas pulsões é constante, a obtenção do prazer, não importa por que meios.

-Estruturalmente, instaura-se uma lei simbolica para nós, que a psicanálise denomina Nome-do-Pai, lei esta, que vem interditar a obtenção desse prazer maior, tornando-nos aptos a circular no que acima denominei de social.

-Circular nesse social, quer dizer, fazer uso da palavra, pertencer a um discurso que possa nomear nossos desejos outros, já que a satisfação completa, fica para sempre perdida a partir da interdição, da lei.

-É a partir daí, que se faz possível conviver, trabalhar, amar, enfim, organizar os grupos sociais de uma forma "aceitável".

-O não comprometimento com essa lei, o Nome-do-Pai, implica na psicose. A saber, são os sujeitos que se situam fora de um discurso. Para eles, não houve a interdição, não houve o corte fundamental que os introduzisse nos tais laços sociais.

-Não precisa ser necessariamente o próprio pai do sujeito, a figura a vir instaurar essa lei. Basta apenas que seja alguém evocado pela figura da mãe, um nome suficientemente forte e capaz de se interpor à obtenção do prazer maior.

-Esse Nome-do-Pai é continuamente simbolizado na sociedade, através da figura de dirigentes, juízes, autoridades em geral. Eles estão sempre presentes, lembrando-nos que há barreiras, há proibições, há interdições, há coisas que não podemos fazer.

O que temos observado porém, é que essas figuras têm sido falhas, ausentes, não suficientemente fortes para fazer valer os contornos dos limites permitidos.

O PAI biológico não tem podido estar presente à criação de seus filhos. Por motivos sociais inúmeros, que não nos cabe aqui ressaltar.

A nação tem estado à deriva, sem um PAI, sem a LEI.

Os partidos políticos representariam ao povo, o PAI acessível, o PAI interlocutor, dividindo a célula grande (o país) em pequenas células (os partidários eleitores).E lá, numa instância maior, fariam se representar em nossas reinvindicações e desejos, em suma, em nosso bem estar e seguranças.

O que vivenciamos ultimamente não está apenas aquém disso, mas sim, estamos absolutamente abandonados à própria sorte (violência, miséria, etcs).Falta-nos esse PAI, falta-nos a proteção, a credibilidade, e o pior, a própria figura de um chefe/imagem identificatória de cidadania e respeito. A horda vai se formando de SEM LEI, SEM TERRA, SEM TUDO, e se avoluma.

Uma grande psicanalista francesa, Collete Soller, já se referiu ao termo: "UMA MASSA ESQUIZOFRENIZADA".Nossa indignação e o não entendimento, provêm certamente do que me referi acima: tentamos entender no registro simbólico (fomos submetidos à lei), dentro de um discurso outro, totalmente incompreensível a "bestas" enfurecidas.

Estamos impotentes, simplesmente porque o famoso olho-por-olho ou dente-por-dente não cabe no nosso discurso socializado.

Resta-nos esperar pelo PAI dirigente honesto, pelo PAI que faz cumprir a lei, pelo PAI que restaure uma imagem de respeito e dignidade.

As Escolhas e a Psicanálise

O ato da escolha está presente em nossas vidas, ainda que disso não tenhamos consciência.

De uma forma geral, colocamo-nos no lugar de vítimas de um inesperado, da própria sorte, ou ainda, buscamos desesperadamente explicações religiosas, genéticas ou o que possa melhor nos situar em certos contextos.

Seguimos em frente, sem que saídas possíveis se vislumbrem em nossos caminhos.

O que é pior, somos detentores de algum conhecimento sobre os nossos sofrimentos, mas deles não queremos saber, evitando-os, fugindo e construindo "defesas poderosas" para que não tenhamos que nos haver com nossas questões.

Óbvio que essas defesas nem tão infalíveis, costumam "capengar", falhar e deixar que brechas se abram em nossas construções de tais saberes.

É o momento em que o sintoma faz as vezes de "remendo/compromisso" com o nosso inconsciente, substituindo a verdade temida por um sofrimento qualquer.

Todos nós, muito bem conhecemos crises inúmeras e inexplicáveis de pequenas doenças e até mesmo as mais graves, que se instalaram sem "explicações" plausíveis. A enxaqueca que nenhum médico dá conta, as crises alérgicas respiratórias ou dermatológicas, os resfriados constantes, a diarréia que antecede a uma decisão importante, enfim, poderíamos enumerar aqui um sem fim de sintomas que "utilizamos" em nossas vidas, encobridores de uma outra verdade.

Fica muito difícil dizer de escolhas perante tais sofrimentos.

Como posso ter escolhido um amor impossível?

Como escolhi fracassar no que mais sonhei para minha vida?

E o que dizer da própria sexualidade, uma escolha feita ainda na infância?

Buscar acomodação num lugar de queixosos é bem comum, e se incômodos maiores não impedirem, aí permanecemos por um bom tempo, se não, por toda a vida.

A depressão, também conhecida como covardia moral, é uma outra saída, que nos dias de hoje se impõe como um mal estar da modernidade. Aí estão as "pílulas milagrosas", e as inúmeras justificativas para o uso das mesmas. Todas elas, com o "aval" de uma sociedade que qualifica os bem sucedidos e felizes e desqualifica o fracasso.

Tal remédio nos faz dormir, um outro nos faz felizes, mais um ...

Vale tudo, menos assumir que há uma verdade outra a ser dita.

Implicar-nos em nossas escolhas, tomar as rédeas e responsabilidades do que somos e buscamos não é uma tarefa fácil.

É exatamente a partir de um sintoma que o angustia e o move na direção de uma cura, que o sujeito busca uma análise.

Ali, ele vai demandar do analista um "suposto-saber" sobre o seu mal.

É a partir dessa demanda, que o analista trabalha esse saber na transferência, tornando possível
um percurso, em que o próprio sujeito construa sua história de vida, retomando um "fio da meada" no seu próprio sintoma.

Fio da meada esse, que o levará aos primórdios de suas escolhas e às vias possíveis de novos posicionamentos na vida.